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Pelo rasto do medo por Maria de Fátima Carvalho da Silva Cardoso

 

Maria de Fátima Carvalho da Silva Cardoso

Licenciada em Direito – Trabalha como jurista – Escritora – Portugal – marchante.mf@gmail.com

 

Todos os caminhos levam ao medo. Não se perca à espreita dele.  Tanto se tem escrito e dito sobre este assunto, sendo que alguns autores apresentam argumentos que convencem essa evidência do medo ao longo do tempo.

Presentemente vivemos num ambiente de medo, com repercussões a todos os níveis, porque ninguém está longe deste sentimento, entre o homem e algumas espécies de animais.

Por que razão o medo não nos deixa aceitar com tanta facilidade as coisas a que diríamos sim se não tivéssemos medo?

No campo da psicologia sentir medo não passa de uma reação nervosa, ou dor psicológica que nos impede de alcançar a felicidade da nossa própria existência.  Compreendendo-se que existem diversas fobias da mente, sendo o medo uma reação adversa e que gosta de viver num espaço cheio de liberdade.

Segundo Hume trata-se de uma dor que vive dentro do pensamento e foge do confronto do instante, abrangendo um imenso lugar vazio.

Também Montaigne vincula a ideia do medo, do seguinte modo: – “O medo é a coisa de que mais tenho medo e vi muita gente a tomar atitudes incorretas por causa do medo”.

Na opinião de Jean Paul Sartre, o medo é algo exterior ao individuo e pode ocorrer em qualquer um de nós, porque «todos os homens têm medo e, por isso, sentir medo é normal e não sentir medo não é normal, e isso nada tem a ver com a coragem».

Ainda que pareça não existirem razões para ter medo, ao certo, estes autores demonstram que ele existe e deixa um rasto por aí solto. Que a sua distância nunca seja razão para a distração.

Há fatores que intervêm nas decisões do homem, sem que ele as consiga controlar, sendo o medo, o acaso, a sorte de cada uma delas. Quantas vezes no silêncio da noite são sentidas as memórias do passado. É precisamente nesses pensamentos, que se encaixa o medo, esse sentir que chega a comprometer a própria existência. Na verdade, talvez o futuro seja de temer.

Há que ficar atento a si próprio. Começar por vigiar todas as decisões no momento de cada passo, cada gesto e nada temer, ou seja, decida-se a agir, ainda que seja algo muito pequeno. Acredite em si e não fuja com medo.

O próprio Sartre convenceu-se de que esta sensação é tão intensa que coloca o homem perante a sua própria existência.

Talvez até a essência o assuste e o consiga deter!

Apesar de tudo, o autor também refere, que é através do medo que nos é possível encontrar pequenos erros na lógica da decisão, quando temos uma incerteza.

É preciso muita coragem para alguém se dispor a enfrentar uma não decisão, um não avançar para evitar correr perigos.

Contudo, a opção de não ficar para trás é, por vezes, muito complicada e transforma-se numa guerra dentro do próprio ego.

Cada momento arrasta uma dor própria na consciência humana. Única. Viver e decidir é estar sempre atento e chamar a felicidade. Caso contrário, aqueles momentos tornam-se

um fracasso, numa condenação a não-ser.

E depois de se ler, o caso de estudo, do pequeno Albert, podemos entender que o ser humano com estímulos diferentes aprende a ter medo. O menino trazia em si a felicidade e nunca tinha tido medo de conviver com os animais, a seu tempo, passou a ouvir um som bem alto (estímulo aversivo), tendo ao fim de algum tempo medo desses animais, em resultado do ruido produzido.

Só quem sabe o que é o medo conhecerá o significado do medo. O medo é um escultor da força do homem até ao fim da sua existência. O medo atravessa todos os pensamentos e alimenta-se de tudo o que é inconcebível, até aos limites da loucura.

Ninguém nasce corajoso, mas escolhe sê-lo, de cada vez que se faz forte para enfrentar um obstáculo que se atravessa no caminho. O medo é cruel e penetra no corpo humano com sensações delirantes e devora tudo, até o tempo seu ajudante.

Logo, cada homem é do tamanho do medo e do perigo que ultrapassa para seguir em frente, sem se deixar amedrontar e ficar à deriva.

Porém, o medo tem tudo, conforme refere «o poema pouco original do medo» de Alexandre O’Neill, (…) tem pernas, olhos, mãozinhas cautelosas, ouvidos, até tem heróis, intelectuais, operários…e cada um por seu caminho havemos todos de chegar quase todos a ratos». O poeta faz do medo um caos e recria forças e o porvir.

Será que o medo sente e tem vontade de falar? Talvez…!

Mais do que compreender o medo, importa é viver sem ele, porque o objetivo da vida é ser feliz, aproveitando o tempo.

Percebe-se que os poetas procuram o silêncio e têm muita atenção com o medo. Para a maior parte deles o medo é um incómodo, pelo que tentam preenchê-lo com a poesia e usá-la como um combate.

Como é o caso do poeta Alexandre O’Neill, em que o seu “eu” lírico procura identificar opressão na sociedade, de tal forma que na sua mensagem tão bem estruturada atemoriza e faz parecer que este medo atravessa a linguagem e despedaça a coexistência do homem.

Admitindo outra obra: – «O Medo» de Al Berto, logo se observa que o autor confirma a inquietude do medo, quando escreve com os vocábulos: medo, horror, receio, aflição e outros exemplos.

Será Al Berto um representante soturno da sociedade quando revela o seu estado interior de medo?

Compreende-se que:  Al Berto ao descrever a noite como um momento propício para o medo, revela que: «conhece a solidão de quem permanece acordado/ quase sempre estendido ao lado do sono» (Ed. Círculo de Leitores, p.516). Ora, o autor lança as forças que o perturbam dentro do seu território, no espaço que o contagia.

Mesmo na obra de José Gil, «Portugal, hoje- O medo de existir” também se intensificam correntes que negam a liberdade do homem. No exato livro, não se esconde a problemática da fuga ao medo de existir. Ele diz que ser livre não é querer tudo, é sermos fiéis a nós mesmos.  A vida do cidadão tem de ser: sem o temor dos problemas, sem desculpas nem explicações, porque ninguém pode acumular queixumes nas horas mais duras. O cidadão tem voz e não pode ser sufocado numa sociedade burocrática, com requerimentos para tudo e para nada.

Esta obra cruza o abismo do cidadão anónimo que confia sempre em todos os modelos que lhe surgem no caminho. Por outro lado, os cidadãos são ensombrados com ameaças e acometidos de inúmeras injustiças, revelando pouco poder para alcançar algo de novo.

Convém esclarecer que nessa altura, José Gil não sabia do medo do Covid-19, nem sequer da invasão da Rússia à Ucrânia, ou até do início da terceira Guerra Mundial…

O olhar, o espaço e o tempo no pensamento deste autor, é sem dúvida um caminho silencioso, sob a ameaça da tirania do poder de quem tem a autoridade, como foi o caso na época do salazarismo, pág. 78.

O autor explica que o «carácter dos portugueses ditos tristes, taciturnos, acabrunhados», acontece logo que nascem e passam a viver com o medo dentro deles.

Todos sentimos medo na sociedade atual, quando alguns dos cidadãos não estudam, não trabalham e vivem à custa daqueles que estudam e trabalham, o que revela um sentimento trágico de uma vida injusta, numa substancial parte da sociedade.

O futuro perturba profundamente as pessoas, deixa-as completamente receosas e suspensas no tempo, com medo do amanhã que será tao duro que não espantará que exista o medo de morrer.

Reconhecer a inquietação e a incerteza da sociedade, é ter medo e legitimar a existência de forças que se agregam e geram conflitos. Multiplicam-se as injustiças, os problemas económicos, as desigualdades nas oportunidades, principalmente para os excluídos da sociedade.

Sem esquecer que o mundo quer superar o seu tempo imemorial e impor novas regras, numa realidade que não vê e não admite. É, pois, nesta sociedade normalizada com regras invisíveis que se prescreve “um espaço circunscrito, onde não se distingue o espaço que se limita”, a nível mental, social, ou de significado da própria vida, onde ninguém sabe para onde ir. O Tratado da União Europeia assinado pelos Estados- Membros é o exemplo deste desafio, onde os países não confiam entre si em demasiados momentos.

A propósito do medo da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o pensador Eduardo Lourenço, no Casino da Figueira da Foz, em 2016, já tinha afirmado que a força e o poder de Vladimir Putin nascem da ideia que ele tem de considerar a “Santa Rússia” como a barreira contra a islamização da Europa.

Por seu turno, outro grande filósofo e pensador, Gilles Deleuze afirmou que o medo do homem é o de descobrir quem é o outro, o que ele pode, o que ele quer, pois todos temos medos da nossa existência.

Por último, é bem possível que as forças inexplicadas do medo se encontrem enraizadas na intensidade da vida e na potência do pensamento. Ninguém foge ao medo, porque ele intimida, arremessa, inibe, partilha cada momento do homem. Articular a vida sem medo neste mundo obriga a que cada um trabalhe com sabedoria e transforme cada momento que domine. A força estranha que quebra o medo está dentro de cada um. Tudo se resume a estilizar a força do desejo de viver.

É sábio o pensamento que afirma que tudo o que nos rodeia é para perder, mas sem medo e com dignidade.

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